Entre Engrenagens e Silêncios: O que Leonardo Da Vinci Ensina à comunidade LGBTQIA+
- Felipe Ledier
- há 12 minutos
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Reflexões sobre arte, ciência e identidade a partir da imersão em Leonardo Da Vinci.
Visitar a exposição Visualfarm Gymnasium: Leonardo da Vinci em São Paulo foi como atravessar um portal. Logo no início, um teto abobadado projetava fragmentos da vida de Leonardo, e por um instante tive a sensação de estar diante de um cosmos particular — o universo íntimo e ao mesmo tempo universal de um gênio que nunca se deixou aprisionar pelo seu tempo.
A cada sala, o corpo do Renascimento se desdobrava diante de mim: Invenções em madeira, engrenagens que respiravam como seres vivos, esboços que pareciam ainda pulsar com a mão de quem os desenhou, figurinos que evocavam a carne e a aura dos séculos. Não era apenas uma exposição, mas uma coreografia de luzes, sons e texturas que me fez esquecer São Paulo por alguns minutos e acreditar que Florença e Milão estavam logo ali, ao alcance da pele.
Entre tantas descobertas, duas experiências ficaram gravadas. A primeira, a beleza quase matemática da proporção áurea — esse código invisível que atravessa natureza e arte, revelando a harmonia secreta das coisas. A segunda, o gesto radical de Leonardo contra a proibição da Igreja: abrir cadáveres para conhecer o corpo humano. Ousadia científica, sim, mas também coragem existencial. O ato de olhar para dentro do corpo, de recusar a ignorância imposta pelo poder, é talvez o mais revolucionário de seus movimentos.
Mas o que mais me tocou foi reconhecer a presença queer de Leonardo. A exposição, nas entrelinhas, deixa escapar um homem que amou e desejou de forma não normativa, que viveu sob suspeitas e, ainda assim, transformou sua diferença em força criativa. Para mim, como homem gay e artista, ver Leonardo através dessa lente é profundamente representativo: É como se sua vida ecoasse uma mensagem que o tempo tentou silenciar, mas que insiste em sobreviver.
E então percebi: Sua genialidade não estava apenas em inventar paraquedas séculos antes da aviação ou imaginar máquinas que só seriam possíveis no futuro. Estava também em transformar sua própria condição marginal em fonte de invenção estética e social. Leonardo viveu como se recusasse a se explicar — e nisso residia sua revolução.
Saí da exposição atravessado por uma certeza: Não há inovação verdadeira sem coragem de ser.
No meu trabalho como designer e artista digital, levo comigo essa lição. Não basta criar belas imagens ou soluções inteligentes; é preciso colocar a própria vida em risco no processo, deixar que a identidade — mesmo quando dissonante, mesmo quando queer — seja motor de criação.