Direita vs. Esquerda: Reflexões Contemporâneas a partir da Realidade Brasileira
- Felipe Ledier
- 25 de jul.
- 5 min de leitura

No contexto atual do Brasil, a polarização entre direita e esquerda assume nuances complexas que vão além dos tradicionais conceitos ideológicos. A compreensão da liberdade individual, por exemplo, revela contradições profundas. Embora formalmente assegurada pelo ordenamento jurídico, a liberdade para grupos vulneráveis como a população LGBTQIA+ é limitada na prática, dada a elevada violência e ameaças enfrentadas. Segundo dados da Anistia Internacional e do relatório do Grupo Gay da Bahia, o Brasil permanece entre os países com maior número de assassinatos motivados por orientação sexual ou identidade de gênero, o que demonstra a urgência em discutir a liberdade em seus aspectos sociais e culturais, não apenas jurídicos.
Reinterpretar a Direta e a Esquerda
Neste contexto, torna-se essencial revisitar o significado de "direita" e "esquerda" no zeitgeist contemporâneo. Embora esses termos tenham surgido durante a Revolução Francesa, ao longo da história foram ressignificados, ganhando novos contornos. Atualmente, tais categorias estão mais ligadas a valores identitários, concepções de justiça social, visão de Estado e de mundo. A direita tende a priorizar a liberdade individual, a propriedade privada e a ordem; a esquerda, por sua vez, valoriza a equidade social, a inclusão e o papel redistributivo do Estado.
Na esfera econômica, essas diferenças também se manifestam com clareza. A direita defende o livre mercado, a desregulamentação da economia e a redução da carga tributária, sobretudo para grandes empresas. O Estado deve interferir o mínimo possível, atuando apenas como garantidor das regras do jogo. A esquerda econômica, por outro lado, defende uma atuação reguladora do Estado, tributando os mais ricos, promovendo a distribuição de renda e investindo em serviços públicos como saúde, educação e assistência social.
Políticas públicas alinhadas à direita priorizam a eficiência, a competição e a meritocracia, com foco em parcerias público-privadas e terceirizações. Muitas vezes, promovem a redução do tamanho do Estado. Já as políticas de esquerda buscam a redução das desigualdades através de programas sociais, investimentos diretos e legislação protetiva para grupos vulneráveis.
A prática revela como esses posicionamentos se traduzem em ações concretas. Políticas como o Bolsa Família, o Minha Casa Minha Vida, as cotas no ensino superior, o Mais Médicos e o Prouni são exemplos claros de iniciativas associadas à esquerda. Por outro lado, medidas como a reforma trabalhista de 2017, o Teto de Gastos (EC 95/2016), as privatizações e a redução de impostos para grandes empresas refletem a agenda liberal-conservadora.
As divisões ideológicas também se revelam no alinhamento de grupos sociais e econômicos. Bancos, conglomerados multinacionais, big techs, latifundiários e setores industriais tradicionais tendem a se alinhar à direita. Já ONGs, coletivos de base, sindicatos, movimentos sociais, pequenos produtores e universidades progressistas manifestam afinidade com pautas de esquerda.
Tais escolhas ideológicas também dialogam com a estratificação social. As classes A e B tendem a se alinhar à direita, defendendo interesses de manutenção de riqueza e isenções fiscais. A classe C é dividida: parte se identifica com pautas conservadoras; outra reconhece os avanços promovidos por políticas sociais. As classes D e E, mais dependentes de programas públicos, demonstram maior afinidade com propostas de esquerda.
Essas diferenças ideológicas ganham contornos ainda mais críticos diante do avanço da extrema-direita. No Brasil, essa vertente se ancora em valores ultraconservadores, com forte influência de setores religiosos neopentecostais. Defende-se a família tradicional, a moral religiosa, a militarização da segurança e a oposição a direitos de minorias. O fenômeno possui paralelos com grupos como a Ku Klux Klan (EUA), o Hamas e o Hezbollah (em seus aspectos teocráticos) e o Partido Nazista, não pelas propostas econômicas, mas pelos valores autoritários, o culto à liderança e a perseguição às minorias. A adesão popular a esses grupos é frequentemente impulsionada pela comunicação eficaz nas redes sociais e pela instrumentalização da religião.
Frente a esse cenário, a compreensão da liberdade individual ganha novos contornos. Políticas públicas como o MEI, o SIMPLES e o SUS, historicamente ligadas à esquerda, demonstram na prática como o Estado pode ser agente de emancipação e dignidade. Por outro lado, a falácia da meritocracia e o crescimento da precarização via "empreendedorismo" neoliberal evidenciam como determinados discursos escondem desigualdades.
No campo da identidade e pertencimento, a representatividade é uma ferramenta poderosa. Lideranças como Leo Áquila e Erika Hilton são referências que traduzem o anseio de grupos histórica e sistematicamente silenciados por um Estado que, muitas vezes, nega sua existência.
Negar a neutralidade é reconhecer que não é possível viver alheio às estruturas que moldam quem pode ou não acessar direitos básicos.
O Papel do Designer
Finalmente, diante de polarização crescente, artistas, designers e comunicadores têm a responsabilidade de promover o pensamento crítico e a reflexão social, combatendo a alienação e a desinformação. O medo da censura e da perseguição política motiva um engajamento mais ativo na defesa da democracia e das liberdades, evidenciando a urgência de um diálogo aberto, plural e baseado em valores éticos.
Em tempos de extremismos, desigualdades estruturais e ataques sistemáticos aos direitos civis, torna-se urgente repensar os conceitos de direita, esquerda e suas manifestações contemporâneas. Não se trata apenas de um embate ideológico abstrato, mas de escolhas políticas que afetam diretamente a vida das pessoas — especialmente das mais vulneráveis.
A ascensão da extrema-direita, com seus discursos excludentes, autoritários e muitas vezes violentos, não é um fenômeno isolado, tampouco espontâneo. Ela se articula com interesses econômicos poderosos, instrumentaliza a fé de milhões de brasileiros e ameaça conquistas históricas em direitos humanos, liberdade de expressão e diversidade cultural. Nesse contexto, o medo da censura e da repressão não é paranoia — é uma reação legítima diante do histórico e das promessas explícitas de muitos dos seus representantes.
Ao mesmo tempo, o campo progressista precisa se renovar e dialogar com a complexidade do presente. Há espaço para uma nova esquerda e uma nova direita que estejam dispostas a enfrentar os desafios do século XXI com base em dados, ética, diálogo e compromisso com o bem comum. O que não se pode admitir é a normalização da intolerância, da perseguição política e do uso do Estado como instrumento de silenciamento.
Neste cenário, designers, artistas e comunicadores ocupam um papel estratégico: não são apenas produtores de estética, mas agentes de cultura e consciência. O design não pode se furtar ao debate político, pois está intrinsicamente ligado à comunicação de valores, à representação de identidades e à construção de futuros possíveis.
Assumir um posicionamento ético diante da polarização não é um luxo intelectual — é um dever cidadão.
Como criador, como profissional e como indivíduo LGBTQIA+, há um chamado irrecusável: usar a linguagem visual, a palavra e a sensibilidade estética para resistir à barbárie, provocar reflexão e ampliar a empatia.
Em uma sociedade em disputa, neutralidade é privilégio de quem nunca precisou lutar para existir.
Fontes de Referência:
Anistia Internacional Brasil. Relatório sobre violência contra pessoas LGBTQIA+ no Brasil.
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD).
Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA). Relatórios sobre desigualdade e política social.
Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP). Anuário Brasileiro de Segurança Pública.
Grupo Gay da Bahia (GGB). Levantamentos anuais sobre violência contra LGBTQIA+.
Ministério da Saúde. Dados e análises do Sistema Único de Saúde (SUS).
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